Terra de Areco: eu sou da América do Sul
O que essa foto tem a ver com terra? Esta é uma recordação pessoal e com muito significados. Além de revelar parte da minha origem é um registro afetivo de laços familiares em terras argentinas. Um lugar que me ensinou desde cedo a relação com a natureza num horizonte infinito.
Um terço da minha origem vem de lá e outros dois terços divididos entre Uruguai, terra do meu avô materno, e França, de onde vem minha composição paterna. Meu pai certamente faria outra divisão matemática reforçando a importância da ancestralidade basca de onde ganhei o único sobrenome de batismo. Mas, esse causo, sobre as terras bascas francesas, fica para um outro momento de visita, registro e coleta.
Nascida no Brasil, sou a mistura de todas essas terras. Sim, porque eu sou, tu és, nós somos. Somos todos terra.
No livro solo, alma e sociedade o indiano Satish Kumar, pensador e ativista ambiental, explica a origem da palavra humano fazendo uma forte analogia etimológica entre a combinação de homo, homem e humus, terra. Não é a toa que o cuidado com o solo na agricultura regenerativa ganhou um espaço nas reflexões contemporâneas da sustentabilidade. Enquanto defendemos veemente a importância das águas e do ar a terra precisa ser lembrada como elemento indispensável na cadeia produtiva que mantém a vida humana no planeta, pois dela brotam os elementos vitais como água, fogo e ar além de inúmeras formas de vida. Da terra viemos e para a terra retornaremos. Portanto terra é vida, origem e identidade.
Sendo assim, voltando aos pampas e ao pensamento da terra como origem e identidade, posso dizer que senti na pele ao longo da infância a presença desta terra de cor marrom quando seca e preto quando molhada. Uma terra de um pigmento tão fino que fazia deste barro a diversão das crianças e o temor dos adultos.
Durante as férias de verão com os primos no campo argentino da pequena cidade de San Antonio de Areco vivemos os diferentes aspectos desta terra. Quando seca a densidade do pó fino que levantava no menor atrito com o andar do carro, da charrete, dos passos das crianças em corrida fazia uma nuvem que dissipava lentamente dependendo da direção do vento. O pesadelo do verão era com as chuvas que transformava a terra fina, alta e densa num barro que fazia inveja a qualquer pista de patinação. Foram muitas as histórias dos carros atolados que nos faziam andar 12 km entre a cidade e a fazenda. Em um desses verões, a chuva foi tamanha que escondidos dos adultos nos aventuramos num momento spa com direito a lama dos pés à cabeça, e claro aquela bronca dos adultos na volta de uma tarde inteira de farra no barro de Areco.
Este ano, celebrando os 80 anos da minha mãe argentina em tierras de Areco. Não teve spa de barro, mas para reviver as boas história o carro atolado e caminhada a pé para casa.
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